Via pro despertar: o segundo álbum de Ju Abe
30/09/2021 15:37 em Música

A poesia 

Via pro despertar é um chamado, um apelo ao despertar pra vida. A começarmos a fazer, desde agora, o necessário para nos libertarmos desse modo de vida estacionado que se impõe. Não significa "estar desperto", muito pelo contrário , o achar que se é desperto quando se vive numa sociedade amortecida, já consiste num próprio adormecimento. Viver é saber que essa vida e essa sociedade tais como estão postas são ilusórias, e que é preciso um esforço constante e contínuo para não se deixar anestesiar, caindo e levantando, sabendo que todos os dias as armadilhas da ilusão estão postas, e que viver é um buscar contínuo  pela saída desta ilusão. Pela rebeldia diante do modo de vida egoísta que se impõe, pela construção do coletivismo. A mensagem é essa: "eu reconheço que vivo imersa numa ilusão imposta por interesses escusos, e portanto, procuro lutar pra não me deixar enganar, na consciência de que posso cair sempre, mas sabendo também que o importante é saber levantar e recomeçar ". 

Via pro despertar é um chamado a fazer o que for preciso para agir na direção da mudança. Não aceitar a normalização da barbárie. Não se conformar com o status quo, porém não se limitar a esperar a mudança do que não depende de nós, mas lutar para mudar o que está ao nosso alcance também, questionando o sistema opressor separatista e individualista, para a construção do mundo solidário e cooperativo.

A sonoridade 

É impossível pensar sobre a busca pela saída sem pensar no contexto que nos circunda. Assim como é impossível pensar no contexto que nos circunda sem se buscar a saída. E, diante das reflexões, a artista Ju Abe se descobre como uma amazônida, nascida e criada numa cidade situada na maior floresta nativa viva do planeta: a Amazônia. O que é nascer na Amazônia para alguém que nasce com o dom da expressão ?

Significa ter a missão de propagar uma mensagem planetária, ou melhor, uma mensagem que chegue aos ouvidos de todo o planeta, pois não somos somente nós, que nascemos aqui, que precisamos da Amazônia viva, mas sim o mundo inteiro. 

Pensando nisso, Ju Abe e o produtor paulistano Pipo Pegoraro valeram-se do conceito contemporâneo do afrofuturismo para criar uma atmosfera sonora imagética que unisse elementos da natureza (como os tambores amazônicos) e elementos da tecnologia contemporânea que facilitam o diálogo com as linguagens artísticas  de outras culturas (como os synties que tornam possível a reprodução de sons oriundos de qualquer parte do mundo), fazendo portanto a tecnologia encontrar a tradição para lembrar que os avanços científicos só são válidos quando levam em consideração a preservação da Terra e de todos os seus povos e culturas. Tudo isso para ajudar a passar a mensagem de que o "Via pro despertar" é também um chamado à conscientização planetária, mostrando a Amazônia como o símbolo vivo de que essa conscientização é urgente e necessária.

Para chegar nesta sonoridade que pode ser definida como uma Nova MPB que flerta com a estética da música étnica eletrônica, New Age e Chill Wave, Ju Abe buscou referências em artistas como Batucajé, Caetano Veloso, Castello Branco, Céu, Cícero, Daisuke Tanabe, Iara Rennó, Kitaro, Muslim Gauze, Patrícia Bastos, Trio Manari e Xênia França.

A equipe 

O disco foi gravado em São Paulo, no estúdio de Pipo Pegoraro, e Belém, no Midas Amazon Studio- de Jacinto Kawage e Luiz Pardal, os quais fizeram a direção musical, e no Studio Z de Thiago Albuquerque, o qual fez a captação e mixagem de voz. Também participaram Kleber Benigno, que tocou e fez direção de percussões, o claronista e saxofonista de São Paulo Zafe Costa, a violoncelista Amanda Alencar e o contrabaixista Príamo Brandão. Na faixa "Beleza", a primeira do álbum, um feat poético traz a participação dramatúrgica da cantora, compositora, atriz e poetisa Giselle Griz. Ainda o álbum traz uma parceria entre Ju Abe e Allan Carvalho na faixa "Muito é Pouco", bem como a apocalíptica "Baião Espacial" do cantor, compositor e filósofo Henry Burnett. 

Além desta equipe necessária à sonoridade,  "Via pro despertar" foi possível graças ao produtor Azul que assinou a direção geral e executiva e design gráfico, do fotógrafo Fábio Vianna, que assina a arte fotográfica da capa e do designer Otávio Rodrigues que criou aa logomarcas usadas nas peças publicitárias. Ryan Guilherme ajudou a criar a concepção da maquiagem do ensaio fotográfico. 

A mensagem

O "Via pro despertar" tem foco numa mensagem planetária, porém, a narrativa parte principalmente de um eu-lírico que reflete sobre questões importantes a partir do contexto brasileiro. Os versos clamam pela urgência da preservação ambiental na apocalíptica "Baião Espacial", adquirem tom de denúncia ao tematizar o racismo estrutural, o fundamentalismo religioso e o descaso com a saúde pública em "Sexta-feira Santa" e a segregação social em "Beleza" , mas também ganham uma tonalidade positiva de esperança em "Éden", fé em "Muito é pouco" e amor em "Renascer". 

A mensagem do álbum consiste no despertar para a construção de um mundo regido pelos princípios da fraternidade, do amor ao próximo e da paz universal, e que, para que se chegue a isso, é preciso principalmente a coragem para denunciar, empatia para com os que sofrem, não conformidade com o status quo. O eu-lírico não abre mão da espiritualidade porém a vincula numa conscientização política, pois crê que não existe fé verdadeira sem luta por justiça social, tampouco amor, quando o sistema excludente não é questionado. 

https://youtu.be/clyaadgVxqo

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